quinta-feira, 9 de junho de 2016

Feliz Ano Velho

de Marcelo Rubens Paiva (Editora Brasiliense)

Há muitos anos eu já queria ler o Feliz Ano Velho. Primeiro por ser já um clássico da literatura brasileira, segundo por ser um relato autobiográfico (gênero que adoro), e também por tratar sobre um tema em que me considero ainda ignorante: a deficiência. O exemplar estava lá na minha estante há um ano quando finalmente criei a coragem para começar essa leitura, que eu achava que me traria muitas lágrimas.


Mas no fim, o Feliz Ano Velho não foi bem como eu esperava. Iniciei a leitura logo depois de terminar o Como Eu Era Antes de Você. E o enfoque é totalmente diferente. Na comparação, os dois livros que tratam, a grosso modo, de deficiência, a tratam a condição em dois extremos.

Aos 20 anos de idade, Marcelo era um rapaz que estudava, tinha uma banda, uma família que o amava, e um monte de amigos com quem se divertia. Num certo passeio com os amigos, ele mergulhou em águas rasas e fraturou uma das vértebras da coluna. A princípio quase que totalmente paralisado, Marcelo ficou paraplégico, e no livro conta todo o processo que se seguiu ao acidente, desde sua primeira internação na UTI, até a recuperação em casa.


Entre os momentos acamado, e os atendimentos recebidos pelos fisioterapeutas e enfermeiros, ele relembra momentos marcantes de sua vida. O pai, deputado, desapareceu nos porões da ditadura militar. A mãe a irmã, também foram presas, mas foram libertas, e o pai nunca mais foi encontrado. O posicionamento político da família é um dos aspectos mais interessantes da história, que ele mostra com muita naturalidade.

Algumas resenhas que li apontavam não ter gostado do livro pelo conteúdo "subversivo", "sexual" e "linguagem imprópria". Digo a vocês que essas pessoas são apenas excessivamente puritanas. Não vi nada demais. Talvez por ter a mesma idade do Marcelo quando escreveu o livro, entendo muito bem o comportamento dele, e não me senti ofendida como algumas pessoas, pelas menções à sexo e drogas.


Acho que o mais legal do livro, é mostrar um cadeirante que trata a sua condição com muita naturalidade, e consegue transmitir essa calma para o leitor. Fiquei encantada com os relatos ainda no hospital, quando ele brincava com os enfermeiros e enfermeiras, fazia piadas com quem o visitava, e tinha um espírito elevado numa situação em que a maioria das pessoas estaria destruída. 

Na verdade o grande trunfo de Feliz Ano Velho é que Marcelo continuou fiel a si mesmo após o acidente, e isso fez toda a diferença. O rapaz alegre, brincalhão, culto, e interessante de diversas maneiras seguiu com sua forma de pensar, e conseguiu transmitir isso no livro, escrito logo após o acidente. Talvez por isso ele não tenha uma estrutura narrativa complexa, mas foi por isso mesmo que gostei mais ainda do livro. Uma narrativa de certa forma brutal, mas otimista, e acima de tudo, honesta.

0 comentários:

Postar um comentário

Conteúdo Relacionado

© 2011 Uma Leitora, AllRightsReserved.

Designed by ScreenWritersArena