Em Dois, lançamento do selo Tordesilhas, o premiado autor Oscar Nakasato nos leva com a sensibilidade de sua escrita a acompanhar as alegrias e as dores das relações familiares. A obra é narrada por vozes totalmente distintas: dois irmãos com identidades singulares relembram episódios da vida em comum.
Zé Paulo é o mais velho de quatro irmãos. É conservador, metódico, austero, rígido, severo, se orgulha de pagar as contas em dia, anda sempre na lei, nunca levou uma multa de trânsito. É ele quem relembra o quanto sofreu na vida com o que considera maluquices do irmão Zé Eduardo (a quem chama de “um vagabundo, porque em toda família parece que tem que ter um torto”). É preconceituoso, reacionário, bronco, dado a criticar quem não pensa como ele, incapaz de aceitar que as pessoas sejam diferentes. Ele é produto do seu meio, foi criado pelo pai para ser responsável, para viver a vida com seriedade, na retidão, sem espaço para o que consideraria frivolidades. Vive para o trabalho e para a família. Casa-se com Cidinha e tem três filhos: Ana Paula, João Pedro e Ana Júlia. Usa linguagem bastante coloquial, não economiza julgamentos e preconceitos, falando mal de tudo e de todos, até mesmo dos próprios filhos.
Zé Eduardo, sete anos mais novo, nunca gostou de estudar. Por ser o caçula, recebia a proteção e o carinho exagerado da mãe e da irmã. Ainda adolescente, envolve-se com um grupo de estudantes que combatia a ditadura. Passa a participar de reuniões como militante e é preso por alguns poucos dias, mas já é suficiente para afastá-los ainda mais dos pais e do irmão Zé Paulo, que não entendem suas motivações. Muda-se de Maringá para São Paulo, onde quer atuar mais ativamente na guerrilha urbana. Zé Eduardo acaba exilado do país e, quando volta, a rivalidade entre os irmãos é reacendida e atinge seu ápice quando uma tragédia acomete a família e os dois deixam de se falar de vez.
Dois é uma história dramática que mergulha fundo nos segredos que aproximam e separam uma família. Seus personagens são marcantes e despertam no leitor uma sensação de “ame ou odeie”, sem que seja possível sentir qualquer dessas coisas por completo. Zé Paulo é, ao mesmo tempo, egoísta e um homem de família; Zé Eduardo é, ao mesmo tempo, compreensivo e imaturo. É impossível que o leitor escolha um lado, não há vilões ou mocinhos, apenas dois irmãos que não se reconhecem na própria família.
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