Firdaus era muito mais do que mais uma prisioneira na cidade de Qanatir. Uma mulher condenada à morte pelo assassinato de um homem. Uma mulher que não recebia visitas, quase não se alimentava e pouco falava. Uma mulher à espera do destino, que estava pagando o preço por desafiar o seu mundo uma única vez, mas que a mantinha de cabeça erguida, com os olhos flamejantes, de coragem.
A Faro editorial lança este mês o primeiro livro da escritora egípcia Nawal El Saadawi “A mulher com olhos de fogo”. Conhecida como a Simone de Beauvoir do Oriente Médio, Nawal é um dos maiores nomes na luta contra a mutilação genital feminina – terror que ela mesma sofreu na infância-, uma prática muito comum na África e em países árabes e que hoje combate a falta de prioridades da luta pelos direitos das mulheres no mundo ocidental.
Para El Saadawi, muitas lutas hoje defendidas pelas feministas deixam de lado temas que são verdadeiramente difíceis e que precisam de apoio global. Ela afirma que o feminismo não deve apagar a diversidade da luta das mulheres em culturas diferentes, e que muitas vezes os níveis de opressão sofridos pelas mulheres em países dominados pela religião e o patriarcado não podem ser tratados com um discurso raso. Para Nawal, a luta feminista é muito maior, mais dura e urgente do que as que defendemos hoje.
Baseado na história real de uma prisioneira que a autora conheceu no corredor da morte em Qanatir, “A mulher dos olhos de fogo” narra o desabafo de uma mulher que desde cedo descobriu que havia um preço a se pagar por ser mulher, e que, quando pôde, se rebelou contra isso. Firdaus era uma camponesa, que ainda pequena só conheceu a violência e a miséria imposta as mulheres em seu país.
Mutilada ainda na infância, Firdaus entendia que seu papel era servir, aceitar. Sofreu abusos das mais variadas formas: fome, negligência, abandono, solidão, violência sexual e física, um casamento forçado com um homem 40 anos mais velho, a fuga, e a prostituição.
E mesmo com tamanha miséria, com uma sina infeliz, era capaz de ver beleza no mundo e de enfrentar um mundo injusto para tomar a rédeas da própria vida. Mas esse pensamento teve um preço, e Firdaus decidiu pagar o preço. Ela teve coragem para ultrapassar mais uma barreira e finalmente ser livre. Não seria comandada por nenhum homem, não seria mais agredida, mesmo que tivesse que sujar suas mãos de sangue.
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