Em meados de 1996, o editor londrino Barry Cunningham da Editora Bloomsbury, aconselhou uma escritora a utilizar apenas as iniciais de seu nome, de modo que o público masculino não se afastasse de seu livro: “Sabe Joane? Achamos que este livro vai despertar o interesse de rapazes e garotas. Podemos usar as suas iniciais? ” Basicamente, queriam ocultar o gênero da escritora. Mas Barry foi além. Muito embora a Bloomsbury tenha contratado a publicação do livro, o editor aconselhou a autora a procurar um outro emprego, já que as chances de uma mulher conseguir dinheiro com livros eram mínimas. Mas ela queria muito ser escritora. Deus! Como queria! Em 1997, Joane conseguiu com muito esforço uma concessão de 8 mil libras da Scottish Arts Council, um organismo público da Escócia que financia desenvolve e promove as artes no Reino Unido, para continuar escrevendo a série.
Em junho de 1997, a Bloomsbury finalmente publicou o primeiro com uma impressão inicial de mil cópias. Em novembro daquele ano, seu livro levou o prêmio Nestlé Smarties Book Prize. Em fevereiro de 1998, ganhou o British Book Awards na categoria de Livro Infantil do Ano, e mais tarde, o Children's Book Award. Estamos falando de Joanne Kathleen Rowling, mais conhecida como J. K. Rowling, a autora da saga Harry Potter.
Como minha amiga e conselheira Carol sempre menciona: É verdade esse bilete? Sim! É fato verídico e ilustra à saciedade como a literatura fantástica escrita por mulheres possui uma recepção diferente, tanto das editoras, quanto dos leitores.
Lugar de mulher é no fogão.
Só se ela for cozinheira, Barry.
Lugar de escritora, portanto, é atrás da máquina de escrever ou onde ela quiser, meu filho! Vou te
explicar, cronologicamente, como a banda toca. Trago cá uma lista que vai te deixar de queixo caído.
Ann Radcliffe, escritora inglesa, conterrânea de Joanne, é considerada a pioneira do chamado romance gótico. Em 1794 ela publicou Os Mistérios de Udolpho. Sua técnica de como explicar elementos sobrenaturais em seus livros foi o que elevou o gênero do romance gótico a um status respeitável na década de 1790. Isso rolou 200 anos antes de J. K. Rowling, Barry.
Mary Shelley era noiva do poeta Percy Shelley. Há 203 anos, Lord Byron, John Polidori, Percy e Mary, reuniram-se para passar férias em uma mansão próxima ao lago Léman, na Suíça. Mas o clima não ajudou. Abrigados contra o tempo inclemente e incessantes tempestades, de maneira a passar os dias chuvosos, decidiram promover um concurso onde cada qual deveria escrever uma história de horror. O resultado não é desconhecido por ninguém. Em 1818, Frankenstein, ou o Prometeu Modernofoi publicado por Mary Shelley, cuja fama, hoje, supera a de seus ilustres companheiros da mansão. Barry, Barry...
Emily Brontë era irmã das escritoras Charlotte Brontë (Jane Eyre e O Professor)e Anne Brontë (Agnes Grey). Em 1847, Emily publicou seu romance, O Morro dos Ventos Uivantes, que possui elementos do romance gótico e hoje é considerado um clássico da literatura mundial. Um dos romances com maior número de adaptações para o cinema, desde 1920 até 2011, com atores renomadíssimos como Laurence Olivier, Merle Oberon, Timothy Dalton, Ken Hutchison, Ralph Fiennes, Juliette Binoche, Robert Cavanah, Orla Brady, Tom Hardy, Charlotte Riley, Sarah Lancashire, e Andrew Lincoln. O livro contou com adaptações para ópera e também para a dramaturgia brasileira, com duas telenovelas, em 1967 e 1973, respectivamente O Morro dos Ventos Uivantese Vendaval. Caramba, Barry! As três irmãs eram inglesas e escritoras de sucesso!
Daphne Du’Maurier, nascida em 1907, foi autora de grandes obras de terror. Entre eles temos o conto Os Pássarose o romance Rebecca, ambos adaptados por Hitchcock para o cinema. Precisamos discutir isso, Barry?
Selma Lagerlöf publicou em 1912 a novela Körkarlen ou a Carruagem Fantasma, gênero fantasia sombria. Virou filme mudo em 1921, dirigido e estrelado por Victor Sjöström. Considerado como uma das obras centrais da história do cinema. Ah! Por falar nela, Lagerlöf foi a primeira mulher a receber o prêmio Nobel de Literatura. #chupabarry.
Agatha Christie, inglesa, foi a grande escritora do gênero suspense, desde 1920, com diversos livros traduzidos pelo mundo afora, além de diversas adaptações para o cinema. Segundo o Guiness Book, Christie é a romancista mais bem-sucedida da história da literatura popular mundial em número total de livros vendidos, uma vez que suas obras, juntas, venderam cerca de quatro bilhões de cópias ao longo dos séculos XX e XXI, cujos números totais só ficam atrás do poeta William Shakespeare e da Bíblia. Podia ir dormir sem essa, né Barry?
Patricia Highsmith foi uma escritora norte-americana famosa pelos seus thrillers criminais psicológicos. Iniciou a carreira na década de 1940, escrevendo roteiros para histórias quadrinhos para Editora Nedor, sobretudo as do super-herói Black Terror. Tornou-se mundialmente famosa por Pacto Sinistro, que teve já várias adaptações para cinema, sendo a mais famosa dirigida por Alfred Hitchcock em 1951. Foi a criadora deO Talentoso Ripleytambém adaptado para o cinema com Matt Damon (1999) e John Malkovich (2002). Putz, Barry!
Shirley Jackson também foi uma importante autora do gênero. Uma de suas principais obras, A Assombração da Casa da Colina (1959), já foi adaptada para o cinema duas vezes. Outra obra da autora, Sempre vivemos no castelo (1962) foi publicada apenas esse ano no Brasil pela Suma de Letras. Pô, Barry!
Anne Rice de quem eu tenho absolutamente tudo. Guardanapo que ela limpou a boca e jogou no chão da lanchonete? Teria também, se Miss Anne não fosse uma dama! E, não é para menos. Se Bram Stoker foi o responsável por popularizar o mito do vampiro com o romance Drácula, Anne foi a responsável por reviver o gênero magistralmente. Literalmente, sangue novo na fita. Com o lançamento de Entrevista com o Vampiroem 1976, ela deu início à saga chamada As Crônicas Vampirescas. Para você compreender o impacto de sua publicação no mundo, aqui no Brasil, a tradução da obra para o português (Editora Rocco) ficou a cargo de ninguém mais ninguém menos que Clarice Lispector. Virou filme com grande elenco, Tom Cruise, Brad Pitt, Stephen Rea, Kirsten Dunst, Antonio Banderas, Christian Slater e Tandiwe Newton. E, mais! O Vampiro Lestat está para virar série em 2019. Boo, Barry! Boo!
Susan Hill publicou em 1983 uma novela de horror chamada A Mulher de Preto, que segue o tradicional estilo gótico. O livro deu origem ao filme, de mesmo nome, contando com Daniel Radcliffe no papel principal. Lançado em 2012, com direção de James Watkins, foi o primeiro longa que Radcliffe atuou após o longo período como Harry Potter nos cinemas. Engole essa, Barry!
Valerie Martin publicou em 1990 a obra Mary Reilly, inspirada por O Estranho Caso do Dr. Jekyll e Sr. Hydede Robert Louis Stevenson. O livro é narrado sob a perspectiva de Mary, empregada de Dr. Jekyll. Também ganhou adaptação para o cinema, com Julia Roberts no papel principal. Sentiu isso, Barry?
Margaret Atwood, recebeu o primeiro Arthur C. Clarke Award Prizeem 1987 com O Conto da Aia. O romance também foi nomeado ao Nebula Awardde 1986 e ao Prometheus Award de 1987, ambos prêmios de ficção científica e acabou se transformando em uma série de ficção científica dolorosamente real na Netflix. Está acompanhando, Barry?
Vou parar por aqui porque acho que provei meu ponto. Mas, Barry, vamos! Precisamos nos entender! Todas essas moças talentosas que citei, publicaram seus livros e foram muito bem-sucedidas, anos, décadas e séculos antes da nossa querida Joanne.
Onde você estava com a cabeça?
Barry. Barry. Seu babaca.
*M. R. Terci é escritor, roteirista e poeta. Antes de se dedicar exclusivamente a escrita, foi advogado com especialização em Direito Militar e mestrado em Direito Internacional, Ciência Política, Economia e Relações Internacionais. Autor de Imperiais de Gran Abuelo, publicada pela Pandorga, e o criador da série O Bairro da Cripta, lançada anteriormente pela LP-Books, obras que reforçaram seu nome como um dos principais autores brasileiros de horror da atualidade. Com base em fatos históricos, Terci substitui os castelos medievais pelos casarões coloniais, as aldeias de camponeses pelas cidadezinhas do interior, os condes pelos coronéis e as superstições por elementos de nosso folclore e crendices populares, numa verdadeira transposição do gótico para a realidade brasileira. Seus livros não são apenas para os fãs do gênero horror. Seu penejar é para quem aprecia uma narrativa envolvente, centrada na experiência subjetiva dos personagens mediante as possibilidades que o contexto sobrenatural de suas estórias permite.
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