Ser poeta no século XXI é um grande desafio. É mais que decretar a poesia viva, é descobrir a sua vitalidade sem renunciar à história e à cultura. Atualmente, a única poesia que chega aos brasileiros todos os dias, é a que está no jornal, anunciando muitas vezes algum tipo de tragédia. O jovem músico e escritor Guilherme Vazquez quebra esse paradigma de que não existem novos grandes poetas – especialmente no mercado brasileiro. Depois de um trabalho que durou mais de dois anos, ele publicou seu primeiro livro de poesia intitulado Eron Nicodemus. Tendo a mãe como grande incentivadora na leitura, desde pequeno Guilherme encontrou nos livros uma fonte de inspiração, conforme o tempo foi passando a literatura foi tomando um lugar distinto das outras coisas, comenta o autor de 28 anos. Com uma certa escassez de livros de poesia no cenário nacional, Eron Nicodemus chega para garantir o seu lugar na prateleira não só dos apreciadores da poesia, mas também, para conquistar quem gosta de imergir numa boa história. Confira abaixo uma entrevista com o autor Guilherme Vazquez
Como surgiu a ideia de escrever um livro?
Guilherme Vazquez: O livro surgiu como necessidade mais do que como ideia. A necessidade de me expressar, era e ainda é, muito grande. Uma questão de sublimação das dificuldades do cotidiano e da vida prática, uma espécie de brincadeira infantil, ou um resquício daquela força que a imaginação tem em nós na infância e que nos faz inventar mil coisas para preencher nosso dia e nossa vida. O conteúdo do livro já existia, uma vez que era fruto do acúmulo de no mínimo 10 anos escrevendo por necessidade, em diários e cadernos, quando pensei que com trabalho e problematização poderia selecionar o que havia de melhor nesse conteúdo e me debruçar sobre ele organizando e sendo meticuloso na função de cada pedaço e assim criar uma obra de arte dessa matéria bruta que nascia do fato de escrever. Esse trabalho, de pensar na constituição de um livro e de trabalhar sobre ele foi de aproximadamente 2 anos. E a ideia de fazê-lo surgiu quando compreendi que a minha poesia já podia ser mostrada a todos e não somente aos amigos, que ela já tinha certas qualidades estéticas que a possibilitariam atingir o “outro” como arte.
Você sempre se interessou por literatura?
GV: Sempre. Houve um grande trabalho da minha mãe nesse sentido. Ela sempre dava livros de presente a mim e minha irmã, ou histórias em quadrinhos e qualquer material que se valesse da palavra. E não só isso. Ela cobrava a leitura, perguntava do que se tratava e qual era a história. Ao invés de ela nos contar histórias para dormir, nós (minha irmã e eu) é que tínhamos que contar a ela a história que estávamos lendo. Então certamente a literatura foi um meio que eu encontrei de agradar minha mãe e mostrar alguma importância, de me afirmar. Conforme o tempo foi passando a literatura foi tomando um lugar distinto das outras coisas. Ler era prazeroso e divertido. Eu adorava imaginar as histórias e depois ficar no quintal de casa atuando como os personagens que havia visto nos livros, e também em filmes. Eu copiava tudo até as falas, mesmo sem que fizessem sentido, até que eu comecei a criar minhas próprias histórias. Histórias que não se materialização em palavras, mas sim em ações, em atuações, essa fase foi fundamental para a possibilidade da história sair do imaginário abstrato e contretizá-lo em textos.
Quais são seus autores favoritos? Alguém em especial que te inspirou?
GV: Bem, no que tange a prosa, me impressionou e ainda impressionam os realistas russos. Principalmente Tolstói. O primeiro grande livro (grande em quantidade mesmo, um tijolo) foi o Ana Karênina e aquilo me marcou profundamente. A poesia já estava mais dissolvida no meu cotidiano porque minha mãe vez ou outra lia para nós Vinícios de Moraes (o Poema Enjoadinho – sempre que fazíamos algo errado ela começava: “Filhos filhos melhor não tê-los, mas se não tê-los como sabê-los...”). Depois eu fui encontrando os que mais se comunicavam comigo ai encontrei um universo. Fernando Pessoa e em especial seu heterônimo Alberto Caeiro me comoveu muito, depois Drummond me mostrou que a poesia podia ser diferente do que a gente aprendia na escola, que o amor não era aquele excesso romântico, Rimbaud, Lorca e Whitman me apontaram o caminho que me fez repensar tudo em termos de escrita e de ser humano e o Ferreira Gullar me mostrou a palavra como coisa e que o belo é uma construção, que palavras bonitas não fazem um belo poema.
Conte como foi o processo de criação da obra, desde o texto até a publicação.
GV: Foi algo novo para mim onde aprendi muito. Um livro necessita de capa, apresentação, prefácio, orelhas, coisas óbvias.... Óbvias mas nada fáceis de fazer. Contatei diversas editoras mandando a obra original após ter sido registrada na BN. Nenhuma editora respondeu, isso porque o mercado literário está em crise, como todo o nosso modo de produção, além do fato do gênero literário que escrevo não ser o que tem maior saída e então há pouco interessem por parte das editoras em publicar poesia. Quando percebi que não adiantava esperar uma editora me “descobrir” estudei as melhores maneiras de fazer a publicação independente. Muitas editoras oferecem o trabalho de edição e impressão do livro, basta que se pague o que cobram, no entanto o trabalho que fazem não possui uma concepção alinhada ao que o autor propõe. Então decidi fazer a edição eu mesmo e contratei um artista plástico para fazer ilustrações. Uma para cada parte do poema. O artista era João Pirolla que se tornou um grande amigo. Finalizada as ilustrações, processo esse que foi muito interessante, porque o João entendeu bem a proposta e sempre se mostrou aberto para modificações que eu sugerisse, coisa que fiz pouco por não ser preciso, eu montei o livro e cotei com algumas editoras o trabalho de impressão apenas. Era muito mais barato, então fechei com uma e fiz primeira tiragem com a ajuda de algumas empresas do ramo da educação que eu trabalho como professor de física. Isso foi interessante. Apresentei meu livro para o Cursinho Objetivo de Guarulhos, Colégio Augusto Ruschi e o Espaço Novo Mundo, que é um espaço de encontros literários promovido por uma livraria de Guarulhos, eles ajudaram com parte dos custos, isso na primeira tiragem, a segunda eu mesmo financiei.
Como surgiu a ideia do nome do livro? Quem é “Eron Nicodemus”?
GV: A primeira vez que ouvi esse nome foi na casa da avó de uma ex-namorada. A avó dela estava contando histórias de seu passado quando repentinamente disse o nome Eron Nicodemus. Eu pedi para ela repetir, e ela repetiu naturalmente. Ai eu perguntei: Era esse o nome dele mesmo? E ela disse que sim. Eu fiquei repetindo esse nome na minha cabeça um tempão. Era um nome muito sonoro que, por algum motivo, ficou gravado na minha cabeça. Nessa época eu estava escrevendo uma peça, que inclusive foi desmontada e parte de seu texto foi incorporado no livro, e precisava de um nome para meu personagem, foi quando veio na minha cabeça o nome do bisavô da minha ex-namorada – ERON NICODEMUS. Pesquisando posteriormente sobre o nome Eron e seu significado descobri que ele é associado a palavra Herói, quer dizer significa “Herói” ou “Heróico” e Nicodemus significa “do povo”, ai eu me convenci que era aquele nome mesmo e, ainda mais por se tratar de uma rapsódia o nome do meu personagem ser Eron era muito bom.
Que tipo de leitores/pessoas você gostaria de atingir com essa obra?
GV: Todo e qualquer ser humano. A arte é uma linguagem que se comunica com o ser humano, sendo assim não vejo sentido em “querer” que o livro seja mais bem recebido por algum tipo específico de pessoas.
Tem planos para escrever/publicar outro livro?
GV: Sim. Estou escrevendo um outro poema, que não sei se entrará em uma edição futura no próprio “Eron Nicodemus” como uma parte 5 ou se eu publico independente. Há uma forte tendência desse poema se tornar uma história em quadrinhos, mas ainda preciso terminar. Mas certamente há planos para mais publicações e em pouco tempo.
Qual mensagem gostaria de deixar para o seu leitor?
GV: Acho que a melhor mensagem que eu poderia deixar eu deixei no livro e nas canções, mas se há algo que eu tenho gostado de dizer e pensar é que a arte é um trabalho humano que deve ser entendido como trabalho e processo, além do fato da arte ser necessária ao ser humano e não apenas um adorno ou enfeite descartável na vida das pessoas, então acredito que as pessoas deveriam expor elas próprias, seus olhos, corpos, ouvidos, enfim, todos os sentidos, ao maior número de material artístico possível e repensá-los criticamente posteriormente. Só assim a nossa humanidade estará garantida, do contrário lutaremos sempre por nossas necessidades animais mais objetivas (alimento, abrigo, vestimenta...) e nunca conseguiremos transcender a realidade objetiva.