No livro Holocausto Brasileiro: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil, escrito pela jornalista Daniela Arbex (São Paulo: Geração Editorial, 2013, 255 páginas) somos apresentados a um horror acontecido no Brasil comparável ao extermínio sistemático feito pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial.
A cidade de Barbacena, no interior de Minas Gerais foi lar deste crime que matou mais de 60 mil pessoas entre 1903, data de fundação, e 1979, ano em que a reforma psiquiátrica chegou ao município. No hospício conhecido como Colônia, centenas de homens e mulheres foram removidos do convívio social, em sua maioria por motivos que nada tinham a ver com problemas mentais. A autora estima que 70% dos internados não tivesse nenhum diagnóstico de doença.
A partir da década de 1930 a situação da Colônia ficou mais grave, e as internações eram em sua maioria de pessoas consideradas indesejadas, enviadas a um lugar de sofrimento garantido e morte quase certa. Os pacientes começavam a perder sua dignidade quando tinham suas roupas arrancadas, mesmo que na cidade as noites fossem frias. Na época de maior ocupação, nos anos 60, o hospital criado inicialmente para receber 200 pessoas era ocupado por duas mil. Neste período dramático morriam 16 pacientes ao dia, pelas condições desumanas de alimentação e higiene, além da terapia de eletrochoque à qual poucos sobreviviam.
Daniela Arbex apresenta neste livro uma visão aterrorizante, um crime de tamanha proporção que só poderia ser executado com a conivência do governo, médicos, funcionários e da sociedade. E ela não para por aí, suas entrevistas abrangem todos os setores ligados a Colônia, desde ex-funcionários, parentes, sobreviventes, médicos, ex-diretores e responsáveis pela FHEMIG, Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, que mantém os 160 pacientes restantes em novas alas em condições aceitáveis.
O livro conta a história vivida em conjunto por todos os internados em uma rotina de horror em que todos ficavam atirados no pátio, nus, urinando e defecando no chão, bebendo a água que saía do esgoto, sendo agredidos, humilhados, abusados física e psicologicamente, estuprados. Muitas destas histórias são contadas em detalhes pela autora, personagens que fizeram parte da Colônia, e como suas vidas se desenrolaram em relação ao hospício e depois. Cada uma destas histórias pessoais aproximam o leitor da realidade brutal do holocausto ocorrido em Barbacena.
Dentre os fatos também revelados no livro-reportagem estão a venda de cadáveres para 17 universidades do país. Esta venda gerou mais ou menos R$ 600 mil reais em valores atualizados, valores nunca repassados ao hospital ou aos familiares das vítimas. Este fato foi descoberto pela autora no Museu da Loucura, de Minas Gerais, e contado pela primeira vez em uma série de reportagens que fez para o jornal Tribuna de Minas, em que trabalhava. Mas ela não foi a primeira ao contar a história do Colônia, denunciada á revista O Cruzeiro em 1961 pelo fotógrafo Luiz Alfredo, que fez as imagens que ilustram o livro, a também no documentário Em Nome da Razão de Helvécio Ratton (1979).
A edição ficou simples e funcional, as letras são em tamanho bom, e cada capítulo é dividido com uma foto em tamanho grande, além das outras imagens internas. A escrita de Daniela é fluida e de fácil compreensão, bastante jornalística. No entanto, em certos momentos a quantidade de números pode transportar o leitor para longe da narrativa. Apesar de tratar de um tema muito delicado, e de sua pesquisa ser impecável, em alguns momentos a visão muito jornalística acaba por deixar a leitura fria e distante, talvez para evitar uma emoção exacerbada, mas a qualidade humana poderia ser prioritária ante a jornalística em momentos mais cruciais, de descrição da vida das pessoas, e de cenas cruéis a que foram expostas. A autora não faz ninguém de vítima ou vilão, ela narra os fatos e conversa com antigos diretores e funcionários do hospício sem demonizá-los.
No geral, o livro é muito bom, atende o propósito de contar a história do hospício, e o crime que foi perpetrado dentro de seus muros. A leitura deve agradar não somente jornalistas ou pessoas envolvidas pessoalmente com o fato, por ser de interesse humano deve servir a muitos públicos. É uma leitura rápida, a narrativa foi bem composta e as imagens ajudam a quebrar a qualidade monótona de muita leitura sem visualização. O melhor da narrativa é tentar compreender após a leitura como algo dessa magnitude pôde acontecer dentro do Brasil, no século XX, sem que ninguém tenha conseguido terminar com a prática antes dos anos 1980, e mais do que isso, choca o fato de que até hoje ninguém foi culpado ou punido pela morte de 60 mil pessoas.
0 comentários:
Postar um comentário