Ao longo de mais de 10 anos atuando na defesa da infância e da juventude, o promotor de justiça Lélio Braga Calhau, que é graduado em Psicologia e Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela UGF-RJ, se deparou com inúmeros casos de bullying. A vivência o inspirou a se aprofundar no assunto e o resultado é o livro “Bullying: o que você precisa saber”, que acaba de ser lançado pela editora Rodapé. Trata-se uma obra simples, direta e objetiva, sugerindo medidas para identificar, prevenir e combater o problema.
Segundo o autor, bullying é o ato de “desprezar, denegrir, violentar, agredir, destruir a estrutura psíquica de outra pessoa sem motivação alguma e de forma repetida”. E, cabe destacar que não se tratam de pequenas brincadeiras próprias da infância, as chamadas “microviolências”, mas sim de casos de violência física e/ou moral, muitas vezes velada. “Nunca existem brincadeiras quando alguém está sofrendo. O bullying é algo sério, que causa inúmeros danos”, alerta.
Normalmente, os casos envolvem ações repetitivas contra a mesma vítima num período prolongado de tempo; desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; e ausência de motivos que justifiquem os ataques, que podem ser tanto físicos quantos verbais. As consequências são o estresse, vontade de não ir à escola, podendo inclusive gerar episódios de dores de cabeça, tonturas, sudorese, febre, taquicardia, pesadelos, perdas ou aumento de apetite, dores generalizadas, entre outras. Podem ainda surgir doenças de causas psicossomáticas, como gastrite, bulimia e anorexia. Nos casos mais graves, as vítimas podem até cometer suicídio ou atacar outras pessoas de forma violenta.
Uma pesquisa com 100 mil crianças e adolescentes de dezoito países, realizada pela ONU, mostrou que, em média, a metade dos entrevistados sofreu algum tipo de bullying por razões como aparência física, gênero, orientação sexual, etnia ou país de origem. No Brasil, esse percentual é de 43%. Para Calhau, é importante que o assunto seja abordado. “O bullying sempre existiu, mas não era estudado. Quando acontecia, a vítima sofria calada, ou “pedia para sair”, mudava de escola, cidade. Todo mundo achava tudo muito comum. Chegavam até a colocar a “culpa” do bullying nas próprias vítimas”, lamenta.
Hoje, o tema é bastante disseminado, mas combatê-lo ainda é um grande desafio. O primeiro e talvez mais importante seja a correta identificação do bullying. Enganam-se os que pensam que agressores e alvos são apenas meninos. As meninas tem uma atenção especial no livro. “Como regra geral, os meninos utilizam mais a força física e as meninas utilizam mais os ataques morais, como, por exemplo, espalhar fofocas, arquitetar pequenos complôs para diminuir a vítima perante as colegas e proibir o acesso a grupinhos na escola. São ações mais elaboradas, complexas, com grande potencial de dano moral e psicológico”.
Infelizmente, não há fórmulas prontas para atacar o problema e ele deve ser abordado igualmente por pais e educadores. Aos pais, cabe a tarefa de avaliar se os filhos podem ser vítimas ou agressores. “Quando os pais não conseguem delimitar de forma clara as fronteiras entre o que se pode e o que não se pode fazer, eles se tornam incapazes de exercer uma ação educativa eficaz. Resultam em filhos egocêntricos, sem qualquer noção de limites, totalmente despreparados para enfrentar os desafios e obstáculos inerentes à própria vida”, destaca enfatizando que já presenciou muitos casos de pais condenados na Justiça pela prática de bullying pelos filhos. “A responsabilidade dos pais no combate ao bullying é essencial e a sua omissão ou apoio (velado ou direto) a esses atos pode levar a condenações”, completa.
Já as escolas precisam buscar alternativas. Uma pesquisa da Plan International Brasil, mostra que os procedimentos adotados são as tradicionais formas de coação ao aluno, como a suspensão (culpabilização do aluno) e a conversa com pais (culpabilização da família), medidas claramente insuficientes. A sugestão de Calhau é a criação de políticas antibullying, que envolvam palestras, cartilhas, filmes, peças de teatro e concursos de redação, poesia ou música. “Criatividade é o grande segredo para trabalhar com o tema”. O livro apresenta uma série de dicas e sugestões a serem desenvolvidas dentro do ambiente escolar.
A obra traz ainda uma capítulo especial sobre ciberbullying, quando os ataques e ofensas acontecem no ambiente virtual. “Isso dá ao agressor uma falsa sensação de impunidade. Geralmente, ele utiliza o anonimato ou nomes falsos para tentar ludibriar as autoridades. Dependendo do tipo de ataque ou repercussão, essas ofensas são reproduzidas em velocidade exponencial pela internet e podem ser vistas em pouco tempo por centenas ou milhares de pessoas, causando grande sofrimento emocional para as vítimas e seus familiares”.
De acordo com o especialista, existem oito tipos de cyberbullying. São eles: assédio (ofensa repetida), flaming (ato de trocar mensagens on-line de conteúdo hostil e/ou agressivo), difamação (ferir a honra), despersonalização (o agressor se faz passar pela vítima), trapaças (busca-se atingir os relacionamentos sociais da vítima), uso de informações pessoais (espalhar informações pessoais confidenciadas a amigos), exclusão (ou cyberostracismo, quando a vítima é bloqueada por seus contatos e impedida de enviar mensagens instantâneas ou e-mails para eles) e exposição indevida (quando fotografias e/ou vídeos comprometedores de uma vítima são postados on-line).
Ao longo de toda a obra, o autor se dedica a apontar dicas e soluções comportamentais e jurídicas. Contudo, envolver os alunos, professores, funcionários administrativos, as famílias e a comunidade local é de suma importância para que resultados consistentes ao longo do tempo possam ser alcançados e mantidos. “A saída judicial é demorada, cara e pouco eficiente para mudar a vida do seu filho para melhor. Indenização nenhuma vai repor a tranquilidade dele. Mas, não descarte essa possibilidade. Apenas deixe para usar essa opção como última alternativa”, finaliza.